segunda-feira, 29 de setembro de 2014

VILA MAMÍFERA - Menos escola e mais família, por favor!


A seguir um texto meu que foi publicado hoje na sessão "No Quintal", do Vila Mamífera. Abaixo o texto e mais abaixo o link do Vila Mamífera. 


Era um dia como outro qualquer. Rafa, muito feliz, em sua aula de futebol. Na torcida, a mãe a a vó estavam lá para abrilhantar o pequeno craque. Eis que sai um gol… gol do Rafa! A (mini) torcida vibra! O jogador comemora olhando para nós. O clima era de festa e descontração. Fim de jogo. E o pequeno veio se despedir de nós antes de ir pra sala de aula. Eis que um “gigante” em forma de criança surge ao nosso lado… Com o dedo indicador apontado para o nariz do Rafa, cheio de marra, veio a ameaça: “Isso não vai se repetir, Rafael! Você não vai fazer outro gol em mim!”. O silêncio se instalou! Rafa arregalou os olhos e nada respondeu. Eu até tentei um diálogo: “Calma, fulano. Não fala assim. Jogo é assim mesmo. E você foi um bom goleiro. Defendeu muitas vezes…”, eu dizia. Mas foi em vão… o gigante ressurgiu… Olhou fixo nos meus olhos, deu as costas e seguiu seu caminho. Eu e minha mãe ficamos chocadas. O que era aquilo? Um garotinho de quatro anos! Repito, quatro anos ameaçando o coleguinha de sala por causa de uma partida de futebol. Guardei o episódio comigo, naquele momento.
Passada uma semana, Rafa não queria mais ir para escola. E logo ele, que pedia pra ir ao colégio até aos domingos! Tentamos descobrir o que estava acontecendo, mas ele se recusava a falar. Vez ou outra dava algum vestígio de que o tal menino não era seu amigo, que dizia coisas “feias”, que o excluía das brincadeiras e, pior, convencia outros a fazer o mesmo. Tive que levar a questão para o colégio e o retorno que tive era de que o tal aluno era do integral, que estava estressado, cansado por ficar o dia todo na escola e que acabava tendo algumas atitudes erradas no período da tarde. 
Essa história não é novidade aqui em casa. Quatro anos atrás, Matheus passou por uma situação muito parecida. Comecei a perceber que ele chegava em casa com marcas. Um dia era um arranhão nas costas. No outro uma marquinha roxa na perna. Marcas no braço, no rosto e nada de eu descobrir o que estava acontecendo. Matheus apenas dizia que não sabia como tinha feito aquilo. À principio, ok, criança se machuca leve até brincando. Mas as situações ficaram corriqueiras demais. Até que um belo dia veio a gota d´água: um dedo do amigo no olho dele lesionou sua córnea e Matheus ficou mais de 6 horas sem enxergar de um olho. E, somente aí, ele confessou o que vinha acontecendo… Não tinha falado antes por que, apesar de tudo, gostava do bendito. Lá estava eu no colégio para “entender” o que estava acontecendo. E a resposta? Exatamente a mesma que tive agora com o episódio do Rafa. “O fulaninho é do integral, está cansado de ficar na escola o dia todo e quando chega o período da tarde acaba ficando mais agressivo e tendo atitudes erradas”… e blá blá blá… 
Nunca gostei da ideia de colégio em período integral. Mas, claro, sei que muita gente opta por essa alternativa exatamente por não ter outra escolha. Por isso não critico quem realmente precisa que o filho fique no colégio o dia todo. Respeito! Mas convenhamos, criança precisa ser criança. Ela pode ser feliz dentro de um berçário ou colégio o dia todo? Claro que sim. Principalmente se ele oferece uma estrutura de espaço, atividades e profissionais para isso. Mas criança precisa também ter menos compromisso e mais liberdade para ser criança. Acordar sem o relógio tocando todos os dias por que está na hora de sair correndo. Ficar em casa com seus brinquedos, no seu cantinho, no aconchego do seu lar. Ficar até mais tarde de pijama por que pode sim não fazer nada por mais tempo… Tão gostoso ter um tempinho pra almoçar em família, ajudar a preparar os alimentos, participar das conversas, dar risada, ir na padaria a pé para buscar um pão quentinho pro café da tarde…
A correria do dia a dia está transformando crianças em mini-adultos. O moleque precisa entrar às 7h no colégio por que a mãe tem que atravessar a cidade para chegar no trabalho às 8h. E só consegue sair de lá a hora em que a mãe, muitas vezes cansada e estressada, conseguir chegar… E só Deus sabe que horas ela vai chegar, as vezes só depois que escurecer, por que o trânsito estava caótico. O pai, então, ele muitas vezes vê só no final de semana… Por que sai antes dele acordar e chega depois que ele já adormeceu. Que relação esse serzinho tem com a sua casa? Com a sua família?  Pra que ter tantos brinquedos se eles ficam separados o dia todo? Aquele quartinho que foi todo planejado nos mínimos detalhes só é, de fato, dele, na hora de dormir… por que ficaram longe o dia todo. O que estamos fazendo com nossas famílias? Esse é o caminho do progresso? Da ascensão profissional? Essa criança, que mal nasce e já está matriculada num berçário, quando chegar as 10 anos não aguenta mais ouvir falar de escola. E mal sabe ela, que ainda falta muito pela frente… Está cansada, estressada e precisando de terapia para conseguir compreender o que é incompreensível.
Nem todo mundo tem uma avó, uma tia ou uma babá de confiança que possa cuidar do filho por pelo menos uma parte do dia, eu sei. Como disse no início, não estou aqui para julgar ninguém, nem para apontar o dedo no nariz como fez o molequinho lá no futebol… Mas precisamos pelo menos pensar e repensar no que queremos de fato para nossas famílias. Para onde estamos caminhando. E sermos realmente responsáveis pelos nossos atos e pelos nossos filhos. Filhos crescem rápido demais. A vida passa rápido demais. Não adianta, no futuro, olhar para trás e se arrepender do que passou…





http://vilamamifera.com/noquintal/menos-escola-e-mais-familia-por-favor-por-adriana-ramos/



Agradecimento especial ao Vila Mamífera e à Elaine Miragaia pela oportunidade! 



2 comentários:

  1. Adriana Ramos, o Gabriel foi para o berçário com 5 meses quando voltei trabalhar. Não tenho ninguém para ficar com ele e isso me doía muito. Só que como eu trabalhava 6 horas ele nunca ficou integral, só ficava o tempo que eu estava trabalhando mesmo.E um detalhe, eu trabalhava perto da escola. Nesses dias na lição de casa que pediu para fazer aquela linha do tempo, ele colocou, "2011-deixei de ficar em período integral". Sim, eles sentem muito e vc sabe que o integral do Gabriel era meia-boca. As crianças sofrem sim com isso. O que eu acho é que hoje em dia as famílias estão cada vez mais deixando de cuidar de seus filhos, achando que isso é obrigação da escola. Crianças precisam de tempo para elas.

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  2. Adriana Ramos concordo com você, acho que criança precisa ser criança e morro de pena daquelas que não tem opção e ficam na escola o dia todo. Eu tento mostrar para os meus filhos o real sentido da vida e oriento para que eles sigam o caminho do bem e busquem a felicidade, independente de status, cor, raça, dinheiro, profissão enfim tento mostrar a felicidade está sim nas pequenas coisas da vida. Infelizmente nossos filhos encontrão seres humanos assim com essa mesma postura ou até pior. Mas sempre vou orientá-los para seguirem no caminho do bem e da felicidade, Bjao

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